QUANDO
Quando pensares
No golpe do aço frio
No golpe do aço frio
No perfume do jasmim
Na lava do vulcão
Na mão que acaricia
Pensas em mim.
Quando sentires
Um arrepio de dor
Uma angústia sem fim
Uma lágrima salgada
Uma aflição de morte
Sentes a mim.
Quando ouvires
Os sinos do catedral
Os acordes do bandolim
A boemia da noite
As canções para dançar
Ouves a mim.
Quando falares
Ao vento, ao mar e ao sol,
Mesmo que fales em mandarim,
Em guarani, hebraico ou espanhol,
Em libras, sânscrito ou latim,
Falas a mim.
Quando te deliciares
Com néctares e licores
Ou com um simples cauim
Com repastos de manjares,
Quindins e até o doce pudim
Delicias-te em mim.
Quando tocares
Teus seios intumescidos
Teu colo de marfim
Tua feminilidade latejante
Teus lábios entreabertos
Tocas em mim.
Quando vires
Um sorriso entristecido
Um poente cor de carmim
Um olhar de melancolia
Um homem só, na rede branca,
Vês a mim.
Quando lembrares
Dos buquês de rosas vermelhas
Do lençol macio de cetim
Dos flanboyants floridos no meio-fio
Dos lírios no canto do jardim
Lembras de mim.
Quando lutares
Nas batalhas sangrentas da vida
Ao rufar dos tambores e ao toque do clarim
E o medo e a angústia, no fosso da trincheira,
Sirvam de emplasto ao teu sangue carmesim,
Lutas por mim.
Quando orares,
Joelhos dobrados no canto do leito
E ouvires a trombeta do querubim,
Vibrando no silêncio sem fim,
Anuncia que o tempo deste mundo
Havia me chegado ao fim
Ores por mim.
Índio
é coisa de
branco
O meu grito de guerra
é o esturro da onça pintada
que o predador abateu;
é o eco distante da guerra
na mata que teve fim
em troncos carbonizados,
galhos secos retorcidos
sobre o cadáver da terra,
coberto de capim.
Meu grito sai das águas
do rio que avermelhou:
sangue no leito de morte
da natureza que se acabou;
cemitério de peixes,
que corre desorientado,
que se joga envergonhado
no oceano sem fim.
Meu grito vem da taba,
onde as rezas e as danças,
sob a coroa das estrelas,
nos uniam ao firmamento.
Ontem, bebia-se o cauim
e praticavam-se as
pajelanças;
hoje, pelas frestas das
tramelas
Tupã espia o desalento
e o suicídio do curumim.
De agonia, o grito rouco
da garganta guarani saiu.
Por cinco séculos esse louco
nas trincheiras resistiu,
nos campos de extermínio,
as ‘reservas’ da nação.
Até que todos morreram
sufocados pela cachaça,
tuberculose e discriminação.
Que grito é esse que ninguém
ouve?
Ele voa pelos morros e pelos
campos
pela cidade grande e pelo
mar.
O grito ecoa pelo mundo
inteiro:
‘índio’ é coisa de branco!
‘índio’ é prisão, cativeiro
‘índio’ é reserva, dominação.
Sou guarani, kaiová,
ofaié, kadiweu, camba,
terena, kinikinau, guaicuru,
guató, laiana, aticum.
Meu país tem pau brasil
em cuja sombra descansei,
em cujo chão já fui rei.
Não sou índio,
nem indigno,
nem indigitado,
nem indisciplinado,
muito menos indigente.
Sou brasileiro nativo,
sou gente.
RESPINGO
A chuva
respinga
na
calçada fria
Distante
a imagem
Na manhã
da vida
Do pingo
na poça
Da verde
grama
São
caravelas
No mar
revolto
Cercado
por matas
De pontas
de capim
Meu olhar
infantil
Está
distante
Desta
água ácida
Que
corrói o cimento
E que
deprime a alma
Resta
esperança?
A chuva
respinga
Na vereda
do futuro
E as
imagens difusas
Algumas
tristonhas
Enchem de
lágrimas
Que
respingam
Aos meus
pés.
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