Martí




18/05/2015 14h14
Censura em Dourados - Prefeitura proíbe livro nas escolas municipais
Por: Folha de Dourados
José Henrique Marques
Por “determinação superior” exemplares do livro “Martí, sem a luz do teu olhar” estão sendo retirados das prateleiras das bibliotecas das escolas municipais. O romance do escritor Brígido Ibanhes trata dos problemas sociais das periferias de Dourados e parte de Campo Grande. A determinação, que afronta até a Constituição Federal, é assinada pela funcionária da Secretaria Municipal de Educação de Dourados (Semed) Rose Liston.
Aos diretores e funcionários das escolas que questionaram a retirada do livro, a justificativa de Rose Liston foi, apenas, de que cumpria “ordens superiores”. Na manhã desta segunda-feira a Folha de Dourados procurou a Assessoria de Comunicação do prefeito Murilo Zauith (PSB) relatando os fatos e solicitando esclarecimentos. Mas, até a data da postagem dessa matéria a Prefeitura não havia se posicionado. Indignado, Brigido Ibanhes disse que “hoje vivemos um momento ímpar de consagração da liberdade de expressão, muito diferente da época da ditadura. Eu vejo a retirada, das bibliotecas públicas, do romance, como um violento atentado a essa liberdade, dom maior do ser humano dado por Deus. Da maneira injustificável como ela está posta, é uma afrontosa e escancarada censura”.
“Isso me lembra do meu primeiro trabalho literário, “Silvino Jacques, o Último dos Bandoleiros”, também censurado e apreendido pela Justiça. Mas, os tempos eram da ditadura; mesmo assim, o Tribunal de Justiça do Estado acabou liberando a obra em 1992. Será que a serpente da censura andou botando seus ovos malignos na Secretaria de Educação? Se foi, precisa ser extirpada rapidamente, pois não podemos admitir retrocessos nesta questão”, afirmou o escritor douradense.
O romance alvo da censura da Semed trata de uma jovem atingida pela violência do homem e da genética, em busca da sua felicidade. Dourados, um retrato das suas belezas e das suas mazelas. A agressão ao meio-ambiente e a discriminação racial. O cristão, mesmo na tragédia, não pensa no aborto e aceita a vida como dom divino. O amor, o ódio, a paixão, o desejo carnal, entremeados pela violência do trânsito e dos homens, que, apesar da ação da Segurança Pública, transformam o Portal do Céu no Portal do Inferno.
Enredo
Moradora do Parque Alvorada, uma garota, Martí, sofre a violência do estupro, e fica grávida; como é evangélica dá a luz a uma menina, mas, o parto desencadeia a depressão pós-parto, que se transforma no transtorno bipolar. Benício é traído pela esposa e se separa e depois de algum tempo conhece Martí, que havia vivido um romance com o Élcio, o mototaxista que a socorreu quando do estupro. Nildo nasceu em Vila Vargas, mas foi levado por uma rezadora para C. Grande, onde conhece Carminha e se apaixona pela jovem, que o pretere pelo marginal Careca; ele os vê juntos, fazendo amor e sofre um forte trauma psicológico, e agride o rival, que lhe jura de morte.
Nildo vem para Dourados procurando suas raízes, e, trabalhando numa oficina, faz uma entrega na periferia da cidade. Na volta, chove muito e ele, lembrando a cena traumática, se descontrola e ataca uma menina, Martí. Seus caminhos se cruzam. Ela, depois do Élcio, vive um romance mais maduro com Benício, e o Nildo, encontrado pela gangue, é morto. Como se diz, a punição de Deus. Martí tem crises de delírio religioso e começa uma luta para se manter equilibrada e assim viver seu relacionamento. Élcio ganha na mega, e é alvo da gangue do Careca, que sequestra sua namorada, irmã do Nildo e a leva para o Jockey Clube, de onde sai para receber o resgate, quando são perseguidos pela polícia e, no meio do tiroteio, duas pessoas acabam sendo atingidas, a Do Carmo, ex-esposa do Benício e seu amante.
No enredo também figuram um deputado corrupto e um jornal, cujo editorial enaltece os ricos e poderosos. O romance-reportagem, como denomina seu prefaciador, Profº Dr. Paulo Nolasco, é um retrato de Dourados e região, incluindo a Capital, dos anos logo após a virada do milênio. Trata da época em que Dourados era chamada de Portal do Inferno devido à violência da pistolagem, do trânsito, das drogas etc. No entanto, passamos a ter um governo popular e a cidade passou a ser considerada o Portal do Céu, tornou-se bipolar como a protagonista. O final não é como o das novelas da Globo, mas retrata a vida como ela é, com suas imprevisibilidades e tragédias. O objetivo era mostrar a vida na periferia, os problemas sociais, a corrupção institucional etc.
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Capítulos 2 do romance "MARTÍ, sem a luz do teu olhar", censurado pela Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Dourados (MS), que determinou a retirada imediata desse romance em 10.02.2015.

2

Há muito tempo que eu tinha vontade de escrever um romance, em que aflorassem as mais íntimas emoções do universo humano. Não uma obra qualquer, mas uma que colocasse o leitor frente a frente com o melhor e com o pior que tanto o homem quanto a mulher investem nas relações amorosas e sociais. O ser humano é pura emoção, e tudo que ele faz, o faz em conseqüência das emoções, que nunca se extinguem, pois elas prosseguem pela vida afora criando a cada dia um novo quadro, uma nova história a ser vivida.
Somos, porém, animais medrosos e dissimulados e muitas vezes camuflamos nossas emoções, outras vezes até as negamos. Quem, pelo contrário, tem a coragem de expô-las, é na maioria das vezes, discriminado ou simplesmente considerado sem vergonha, anormal, imoral e até perigoso aos bons costumes. Quantas mulheres e quantos homens já não foram sacrificados na fogueira da hipocrisia social.
Como é gostoso vivenciar o verdadeiro amor, que faz com que adultos se tratem com dengos e se falem usando muitas vezes linguagem de criança, ou se atribuem apelidos inventados em momentos de carinho. Na seara desta espécie de amor, a entrega no ato sexual é um momento lúdico, transcendental e quase divino.
Boa parte do relacionamento emocional e social do homem é fundamentada em regras de convivência criadas justamente para esconder o homem do próprio homem na floresta escura e, em algumas áreas, imunda da sociedade. Imunda pela imoralidade e pela corrupção, principalmente nas altas camadas, denominadas de elites da burguesia.
Um romance que abordasse uma gana de sentimentos e emoções, ressaltando inclusive aqueles que merecem cuidados terapêuticos. Linhas de letras que traduzam a violência explícita e implícita contra a mulher, a quem, muitas vezes, a sociedade torce o nariz, por não considerá-la vítima, mas, no mínimo, conivente das agressões. Realmente, um corpo sedutor de mulher tem o poder de incendiar qualquer página da vida de um homem, assim como pode ser seu oásis numa vida deserta. Eu, particularmente, acredito que ocorreu um erro de interpretação do escriba, pois, a mulher não foi feita da costela do homem, mas, do coração dentro da costela, da sua essência emotiva.
Um romance, sem ser meloso, que valorizasse esse sentimento tão nobre e essencial à vida, que é o amor que tudo aguenta e a tudo supera. Um romance escrito em linguagem popular, sem as prolixidades que muitas vezes envaidece quem escreve, mas torna a trama incompreensível para o leitor, digamos, menos afeito aos termos mais castiços da literatura.
Conheci alguns personagens desta história, mas apenas como espectador. São personagens que cruzam com a gente na rua todos os dias. Infelizmente, devido à correria da vida atual, não nos damos ao trabalho de prestar atenção nelas. Caso o fizéssemos, perceberíamos quanto drama eles carregam nos fundo dos olhos; alguns relampejam de excitação, outros já sem brilho, carcomidos pela angústia e pela dor.
Nunca me preocupei com os que carregam alegria nos olhos, mas sim com aqueles que perderam a luz do olhar e olham o mundo através de uma espessa neblina de perturbação e de descontrole emocional, acreditando alguns que sofrem por maldição, cuja semente germinou em alguma época nas suas gerações. Outros, rotulados pelos profissionais como deprimidos, psicopatas, ou portadores de transtornos afetivos.
Sem grandes preocupações com a cronologia, a nossa história transcorre em meados da última década, no município de Dourados, importante pólo agrícola da região meridional do Mato Grosso do Sul. É o segundo do Estado em população e desenvolvimento, e tem suas raízes culturais incrustadas primeiramente nas etnias nativas que aqui habitam desde antes da colonização, num confinamento semelhante ao paraíso terrestre. Depois, com a chegada dos pioneiros, principalmente do sul do país, trazendo parte da cultura européia e a frente agrícola, quando se devastou a floresta e as matas que cobriam toda a região e se poluiu os mananciais e os rios com agrotóxicos.
Foi, então, o fim do paraíso e o começo do Armagedom, um campo de batalha onde o bem se bate contra o mal na tentativa de se conquistar um mínimo de equilíbrio emocional, étnico, social e ecológico.
A madeira foi o primeiro produto econômico explorado, depois a pecuária, e por fim a agricultura, que trouxe um progresso vertiginoso ao município, transformando-o num pólo comercial e tecnológico, liderando cerca de quarenta municípios satélites. Pessoas rudes do campo fizeram história e dinheiro, formando uma classe média forte, com boa vida, onde o lazer permeia as aventuras amorosas e as consequentes mazelas das cidades interioranas e modernas. Entre estas, podemos citar a violência no trânsito e a criminalidade enraizada nas camadas sociais mais afastadas do acesso educacional, de melhorias financeiras e da própria cidadania.
Dourados, com avenidas largas e quilométricas, seus canteiros de flores nos meios-fios, sálvias, tagédias, margaridas, dálias, rosas, camomila, petúnia e celósias, sombreados com sibipirunas, flamboyants, ipês, magnólias, fícus-benjamina, resedás, figueiras, quaresmeiras, canafístulas, mungubas, acácias e uma infinidade de flores nos jardins das casas e mansões, tudo isso transforma Dourados numa das cidades mais belas que eu já conheci neste imenso Brasil.
A identificação com algum personagem não é mera coincidência, leitor, pois os dramas da vida nos são comuns a todos. Posso, através destas linhas, estar retratando, sem querer, parte da sua vida, e não se sinta incomodado com isso, muito pelo contrário, congratule-se, pois a vida lhe brindou com seu cálice de fel ou de elixir.
Olhe-se neste espelho e aprecie a luz do teu olhar...